Sobreviventes da tempestade: A Luta pela Normalidade Após o Ciclone Chido em Cabo Delgado

Sobreviventes da tempestade: A Luta pela Normalidade Após o Ciclone Chido em Cabo Delgado

Erica Maila perdeu a casa durante o ciclone Chido e está abrigada provisoriamente em uma das tendas montadas pela OMS. Foto: Tiago Zenero/WHO Mozambique.

Em uma das tendas montadas pela OMS em Natuco, no distrito de Mecufi, Cabo Delgado, Erica Maila divide um colchão de casal com mais duas colegas. Naquele momento, o colchão servia também como mesa para apoiar o almoço. As três compartilhavam um pouco de arroz que tinham e uma coxa de frango, a qual ainda teriam que pensar em como fazer a divisão. 

Quando Nicolauson Zaet entrou na tenda, Erica logo perguntou: “Quer almoçar? Isso foi o que sobrou”, apontando para a vasilha com arroz que tinha ainda uma pequena porção disponível. Ele acena negativamente com a cabeça e ela continua: “Então tá bom, vamos guardar para o jantar, não sabemos se vai ter mais hoje”. Ela tampa a vasilha, verificando que a coxa ainda está lá inteira. 

Érica e Nicolauson já se conheciam antes de dividir o abrigo. Ela é técnica de medicina preventiva e ele técnico de farmácia. Ambos também moravam muito próximos um do outro em Natuco, mas as duas casas foram completamente destruídas. “O processo todo do ciclone não foi nada bom para o nosso lado. Foi um desastre”, conta o jovem. 

“Estamos psicologicamente abatidos. Um cenário que a maior parte de nós nunca tinha vivenciado. A experiência não foi nada boa, e agora não sabemos como nos adaptarmos. Estamos tentando trazer a nossa normalidade, mas é uma situação muito difícil”, ele continua. 

Logo Érica complementa que não foi só a casa que eles perderam, estão sem roupas, sem comida e sem contato com a família. Nicolauson acena positivamente a cabeça concordando: “Até hoje estou a enfrentar dificuldade para falar com os meus familiares que estão em outros pontos”. As torres de comunicação do distrito foram todas derrubadas pelo ciclone. Eles ainda não sabem quantos dias ficarão sem acesso à energia e à rede de telefone. 

O técnico de farmácia complementa que essa está sendo a pior parte, pior até mesmo do que a noite do ciclone. “[Aquela noite] o medo afetou-me, estava com muito medo, se calhar, nem contava que eu poderia sobreviver, porque eu não acompanhei de dentro da casa, eu estava de fora, via chapas voarem de um lado para o outro e estava com medo do risco de elas me atingirem diretamente”. 

O sonho agora de ambos é trazer a normalidade de volta, mas ele comenta que isso ainda será muito difícil, “o ciclone destruiu todas as conquistas que eu tinha, o ciclone levou!”.  

Erica logo interrompe: “Vai demorar, mas acho que vamos conseguir recuperar, temos muita ajuda, tem medicamento chegando, tem as tendas, já temos onde dormir essa noite, ganhamos comida para o almoço, aos poucos está chegando a ajuda”, e virando para Nicolauson, ela pergunta: “Certeza que não queres comer?” 

“Dá-me um pouco de arroz”, ele responde. 

“Só o arroz, não vais comer meu frango. A ajuda de comer ainda está devagar, esse aqui vamos reservar para a janta”, Erica diz abrindo a vasilha e confiando a comida ao colega, que pega a coxa para fazer graça, mas logo a devolve. Todos riem enquanto ele come o arroz. 

“Por enquanto essa vai ser a nossa normalidade”, Erica comenta baixinho enquanto o sorriso sai do rosto. Mas logo diz para si mesma: “Mas vamos conseguir!”. Os colegas não ouviram, ainda estavam a rir. 

 

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